O CFEMEA, o Grupo Curumin (Gestação e Parto), o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM), o SOS Corpo, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), IPAS Brasil, a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) e a Comissão de Cidadania e Reprodução realizaram uma coletiva de imprensa, ontem, dia 11 de março, e reabrem, diante do caso da menina de nove anos estuprada, o debate sobre o impacto da ilegalidade do aborto no Brasil.
Movimentos feministas e de mulheres, Associação de Juízes e organizações de profissionais de saúde, presentes durante a coletiva, destacam a importância da luta feminista diante do pensamento conservador que desqualifica a mulher como seres humanos autônomos, responsáveis e portadores de direitos. Os casos recentes de estupro de meninas noticiados pelos jornais, o debate sobre o aborto legal e as propostas em discussão no Parlamento, que possivelmente entrarão na pauta de votação no Congresso Nacional são emblemáticos para mostrar como o país tem tratado suas mulheres.
Na semana do 8 de março, a CSSF do Congresso Nacional ameaçará votar propostas contrárias aos DSDR. O bolsa-estupro (PL 1.763/2007), se entrar em vigor, destinará um salário mínimo, até que o/a filho/a complete 18 anos, para a mulher que decida não interromper a gravidez resultante de um estupro, crime considerado hediondo pela legislação brasileira. Os outros dois projetos seguem a mesma linha. O projeto de lei 831/2007 do deputado Odair Cunha (PT-MG) pretende criar o programa de “orientação” nos hospitais para dissuadir as mulheres de exercerem o direito ao aborto legal. O PL 2.504/2007, do ex-deputado Walter Brito Neto (PRB/PB) obriga o cadastro das gravidezes em todas as unidades de saúde.
Estudo realizado no ano de 2008 por ONGs feministas intitulado - “A Realidade do Aborto Inseguro em Pernambuco e Bahia: o Impacto da Ilegalidade do Abortamento na Saúde das Mulheres e nos Serviços de Saúde de Recife e Petrolina” -constatou que as conseqüências do aborto ilegal são a principal causa de morte materna em cidades pernambucanas.
Para o movimento feminista não reconhecer os graves efeitos físicos e psicológicos do estupro e a crueldade dessa violência sofrida por milhares de mulheres e meninas dentro de suas próprias casas; impedir que o direito ao aborto legal seja implementado nos serviços públicos de saúde por meio da estratégia moral da excomunhão; defender um projeto de lei que prevê uma gratificação monetária em troca do aborto e da proteção da vítima; defender um projeto de lei que pretende monitorar as gestações interrompidas e a conseqüente criminalização dessas mulheres; defender um projeto de lei que pretende submeter as mulheres a um vídeo escatológico e impressionante sobre o aborto ao invés de orientá-las sobre o direito à saúde – são TODAS iniciativas que legitimam e institucionalizam a tortura sobre as mulheres e a negligência do Estado brasileiro.
Sobre a ocorrência de violência contra crianças e adolescentes: dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos revelam que em 2008 o disque 100 registrou 32.588 ocorrências, o que significam 98 casos por dia. Um aumento de 13,5% de registros em relação a 2006. Aumento é creditado à conscientização, já que este tipo de violência sempre foi mantida como segredo familiar.
Segundo dados do DATASUS/MS, 192.445 meninas de 10 a 14 anos tiveram filhos entre 2000 e 2006, no mesmo período, 105 meninas até 14 anos morreram em decorrência de gravidez, parto ou aborto, no Brasil.
A Gerência de Policia da Criança e do Adolescente (GPCA) também divulgou alguns dados. De acordo com a GPCA, em 2005, 1.114 crianças e adolescentes foram examinados no IML, vitimas de abuso sexual. 28% dos casos pesquisados eram de meninas menores de novembro anos. 85% eram meninas, apenas 15% eram meninos. 71,8% eram casos de crianças entre 10 e 14 anos. 99 partos de meninas menores de 14 anos foram realizados no Recife no período de janeiro de 2005 a junho de 2007. 189 ocorrências de atentado violento ao pudor foram registradas na DPCA nos oito primeiros meses de 2008. 128 casos de estupro foram denunciados na policia de janeiro a agosto de 2008. 57,9% dos agressores denunciados na GPCA, nos primeiros meses do ano passado, eram vizinhos ou conhecidos das vitimas. 20% dos agressores eram parentes da vitima (pai, padrasto, mãe, irmão, primo, tio).
O caso da menina de nove anos, de Alagoinha, agreste de Pernambuco, cidade com cerca de 14000 habitantes - com cerca de 50% de seus chefes de domicílio recebendo de meio a um salário mínimo -, grávida de gêmeos, gerou impacto mundial. Submetida a um aborto legal, previsto pelo Código Penal, trouxe à luz problemas tão graves como a violência sexual, o abuso infantil e o risco de vida de crianças.
Este episódio traz à tona inúmeros problemas apresentados pública e sistematicamente pelo movimento de mulheres, em coalizão com organizações médicas e profissionais de saúde, desta vez ganhando a simpatia da opinião pública nacional e internacional, e o apoio do Estado. A violência sexual contra meninas, adolescentes, mulheres de todas as faixas etárias, a dificuldade em receber a atenção necessária, como o acolhimento e atendimento psicológico em um serviço, a contracepção de emergência, e outros cuidados de saúde, como, por exemplo, profilaxia anti-hepatite B e anti-HIV, sorologia para sífilis, são evidenciados em estudo especificamente realizado pela CEMICAMP e apresentado publicamente em 2007, em Campinas. Do total de 1399 serviços de violência sexual contatados, apenas um total de cerca de 40 a 60% dos serviços em todas as regiões davam informação sobre o direito de abortar nos casos de violência sexual. Menos de 25% dos serviços ministrava todos os medicamentos e, ainda, menos de 17% realizava todos os exames recomendados pela norma do Ministério de Saúde. Talvez mais grave ainda seja a dificuldades que as secretarias municipais de saúde vêm mostrando em tomar a iniciativa de definir novos serviços específicos. Por exemplo, durante seminário de Saúde da Mulher da Secretaria Estadual de Saúde, nesta semana, foi apresentada a dificuldade encontrada no Estado. Ao mesmo tempo, a contracepção de emergência vem sendo vetada em algumas cidades, iniciativas sempre relacionadas com grupos religiosos conservadores, desrespeitando o principio da laicidade do Estado. Recentemente, a cidade de Jundiaí foi obrigada a retomar a distribuição do medicamento, depois da lei ser votada como anticonstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
As inúmeras e contundentes reações apresentadas pela população brasileira em canais de expressão tão diversos como jornais, blogs, rádios, e-mail e cartas recebidas, além da manifestação internacional, merecem destaque e reflexão da sociedade brasileira. A persistente colocação da Igreja Católica e outras igrejas, de obstrução de políticas públicas que implementam direitos, de desprezo pelo sofrimento humano, estão em profundo desacordo com o sentimento nacional e internacional, já intolerante com a violência e com o abuso. A proteção da infância e da adolescência deve ser garantida pelo Estado.
Fonte: CFEMEA
12 de mar. de 2009
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