8 de jul. de 2008

Mulheres de Olho entrevistou Regina Viola. Confira!

Mulheres de Olho conversou nesta quinta-feira, 03/07, com Regina Viola, coordenadora da área de Saúde da Mulher que representou o Ministério da Saúde na mesa da audiência pública sobre o PL 1135, ocorrida na véspera. Em sua palestra ela havia apresentado dados sobre aborto no Brasil –que como vimos aqui foram contestados pela ala contrária à descriminalização do aborto– e discorrido sobre a gestão de Temporão, que na seqüência foi alvo de duras críticas, especialmente pela dupla de deputados peemedebistas Eduardo Cunha e Leonardo Picciani, ambos do Rio de Janeiro. No final da semana essas críticas vieram à tona na imprensa, como parte de uma movimentação mais ampla pela substituição na chefia da Saúde (veja matéria abaixo).

Mulheres de Olho – Como você reage às críticas aos dados do Ministério da Saúde no contexto da discussão legislativa sobre a descriminalização do aborto?

Regina Viola – Temos que aprofundar a discussão no Congresso sobre este projeto de lei. O que ficou claro é que ainda tem uma confusão muito grande com relação aos dados. Isso mina as conseqüências da prática do abortamento inseguro para a saúde da mulher. Vários parlamentares mostraram que, possivelmente, não têm a dimensão dessa questão. Pudemos fazer esse esclarecimento. Coloquei que a criminalização leva ao abortamento inseguro. Este leva a complicações como perfurações uterinas, esterilidade, histerectomia e morte materna, em situação extrema.

Mulheres de Olho – As falas contrárias à descriminalização são de que há um exagero ao lidar com o dado das mortes maternas por aborto. Como responder a esta provocação?

RV - Um parlamentar colocou que temos cerca de 100, 150 mortes por aborto inseguro nos últimos dez anos, e que isso correspondia a menos de 0,1% dos óbitos maternos. A senadora [Heloisa Helena] colocou os mesmo dados na audiência de hoje (03/07). Isso não é pouco, se você pensar que esses óbitos são evitáveis, têm desdobramentos sérios, e vínculo com um conjunto de problemas sociais que estamos vivendo hoje. O óbito da mulher desestrutura a família. Em menos de 1 mês a família sai do domicílio original, o pai entrega as crianças para outras pessoas. De qualquer forma, se tivesse um só óbito por aborto, sendo evitável já justificaria uma política preventiva. O Ministério da Saúde entende esse óbito como violação dos direitos sexuais e reprodutivos e enfrenta a questão, desenvolvendo uma série de ações estratégicas.

Mulheres de Olho – Que ações, por exemplo?

RV - Estamos apoiando a organização de uma rede nacional de atenção integral às mulheres em situação de violência, que contempla o aborto previsto em lei. No campo do planejamento reprodutivo, temos um investimento muito grande buscando prevenir a gestação indesejada. Estamos com uma campanha veiculada continuamente, que é a primeira dessa natureza desenvolvida pelo Ministério da Saúde. E também com ações estratégicas, como subsidiar o preço de anticoncepcionais, colocando-os quase a preço de custo, ou menos, nas farmácias populares. Além disso, estamos promovendo a produção de métodos em laboratórios do governo, como em Xapuri, no Acre, onde uma fábrica recém inaugurada está produzindo 100 milhões de preservativos ao ano e estamos investindo para ampliar essa produção, já que a compra do Ministério da Saúde é de 1/3 da produção mundial. Compramos 1 bilhão [de unidades ao ano].

Mulheres de Olho – O que você diria da alusão feita a eventuais seqüelas graves das mulheres que abortam por opção?

RV - Não há dados sobre seqüela de aborto feito em condições seguras. Não conheço esses dados. Mas nas falas de ontem ficou caro que não é agradável para nenhuma mulher viver um abortamento inseguro. Todos nós temos clareza de que o abortamento é uma prática indesejada. Gostaríamos de poder ter instrumentos para evitar. Não os temos. Todos os métodos têm falhas, pode ocorrer descuido, e por uma série de fatores a mulher pode não estar disposta a levar adiante uma gravidez. E ela tem o direito -um direito hoje restrito a estupro e risco de vida- de não querer levar adiante. Dentro do SUS, atuamos de acordo com a legislação em vigor, respeitando o princípio da garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, de acordo com compromissos assumidos internacionalmente pelo país. Atendemos as complicações por aborto feito de modo inseguro e atendemos os casos de aborto previsto em lei. Investimos, prioritariamente, no planejamento reprodutivo buscando prevenir a gravidez indesejada.

Estamos também desenvolvendo ações estratégicas para fazer com que estados e municípios se apropriem da política de atenção à saúde da mulher. Outra iniciativa que está sendo desenvolvida é a publicação de uma resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA, que cria parâmetros de ambiência baseada nos novos paradigmas de atenção humanizada ao parto e ao abortamento.

Mulheres de Olho - Uma das colocações foi de que o SUS não estaria preparado para atender os casos de abortamento, caso o Brasil descriminalizasse essa prática. Como responder a isto?

RV - Há 20 anos não estávamos preparados para a atenção ao climatério, para evitar a transmissão vertical das DST e Aids, e o planejamento reprodutivo era incipiente. Atualmente temos uma cobertura de 80%. Hoje foi lançada uma pesquisa que mostra isso (*). Não tínhamos essas ações bem estruturadas, mas houve deliberação de colocar em prática e estamos apoiando os estados e municípios para a implantação, de forma conseqüente e fazendo análises. Há 20 anos também não havia ação para atender mulheres em situação de violência. O desenvolvimento dessa política começou em 1996 e hoje temos uma rede implantada, com a perspectiva de interromper o ciclo da violência e de diminuir a prática do abortamento. Daí o investimento na distribuição de contracepção de emergência. Por causa dessas medidas, embora a rede esteja aumentando, o número de abortamento previsto em lei não está aumentando de forma contundente.

Mulheres de Olho – Na audiência pública de hoje (03/07), os deputados Eduardo Cunha e Leonardo Piccinani foram duros na crítica à gestão do Ministro Temporão, que também é do PMDB. O que está acontecendo?

RV - Vivenciamos essa questão na audiência pública de ontem também. Foi colocado em plenário que não estávamos atuando a contento. Por exemplo, que deveríamos estar priorizando o enfrentamento das filas no SUS. Respondi que estávamos sob a direção de um sanitarista conhecedor da realidade social, que tem respondido às demandas da imprensa com muita transparência, e feito com que o Ministério da Saúde atue com critérios epidemiológicos, mas também atendendo as demandas dos segmentos da sociedade civil organizada. As ações que estamos desenvolvendo são estratégicas, e é inquestionável que o são. Quando falamos em rede nacional estamos falando em dobrar o número de serviços cadastrados até o momento. Refiro-me aos serviços de atenção às mulheres em situação de violência. Nas ações de planejamento reprodutivo foram 50 milhões de pílulas e 300 mil DIUs distribuídos este ano, quantitativo muito maior do distribuído anteriormente, além do programa voltado para as farmácias populares. Acredito que os parlamentares do PMBD que estão falando assim não tomaram conhecimento das ações que o Ministério da Saúde vem desenvolvendo.

(*) O Ministério da Saúde lançou no dia 3 de julho, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS 2006. Realizada em convênio com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento/ CEBRAP, com a participação de uma equipe de demógrafos e pesquisadores da área de saúde e nutrição, o trabalho foi coordenado pela demógrafa Elza Berquó.

Por Angela Freitas/ Instituto Patrícia Galvão

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